segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Mea culpa


Ontem, uma atenta, vivaz e muito querida amiga, postou, no blogue dela, (veravilhena.blogspot.com) um excerto do Eça de Queiroz, que retrata com a sua insuperável perspicácia, uma critica azeda aos pecados dos políticos, notórios naquela época, os quais, infelizmente, perduraram até aos nossos dias.
Hoje, em contra ponto e após as eleições de ontem, posto um artigo do saudoso Eduardo Prado Coelho que coloca a questão do nosso lado, do povo.
Ele teve a lucidez de nos deixar esta reflexão sobre todos nós, antes de falecer.(25/08/2007) Rele-lo, talvez nos faça sair desta hipnoblepsia atroz em que andamos, quase todos, votantes e abstencionistas.

Precisa-se de matéria prima para construir um País

A crença geral anterior era de que Santana Lopes não servia, bem como Cavaco, Durão e Guterres.
Agora dizemos que Sócrates não serve. E o que vier depois de Sócrates também não servirá para nada. Por isso começo a suspeitar que o problema não está no trapalhão que foi Santana Lopes ou na farsa que é o Sócrates.
O problema está em nós. Nós como povo. Nós como matéria prima de um país. Porque pertenço a um país onde a ESPERTEZA é a moeda sempre valorizada, tanto ou mais do que o euro.
Um país onde ficar rico da noite para o dia é uma virtude mais apreciada do que formar uma família baseada em valores e respeito aos demais. Pertenço a um país onde, lamentavelmente, os jornais jamais poderão ser vendidos como em outros países, isto é, pondo umas caixas nos passeios onde se paga por um só jornal E SE TIRA UM SÓ JORNAL, DEIXANDO-SE OS DEMAIS ONDE ESTÃO.
Pertenço ao país onde as EMPRESAS PRIVADAS são fornecedoras particulares dos seus empregados pouco honestos, que levam para casa, como se fosse correcto, folhas de papel, lápis, canetas, clips e tudo o que possa ser útil para os trabalhos de escola dos filhos... e para eles mesmos. Pertenço a um país onde as pessoas se sentem espertas porque conseguiram comprar um descodificador falso da TV Cabo, onde se frauda a declaração de IRS para não pagar ou pagar menos impostos.
Pertenço a um país:
-Onde a falta de pontualidade é um hábito;
-Onde os directores das empresas não valorizam o capital humano.
-Onde há pouco interesse pela ecologia, onde as pessoas atiram lixo nas ruas e, depois, reclamam do governo por não limpar os esgotos.
-Onde pessoas se queixam que a luz e a água são serviços caros.
-Onde não existe a cultura pela leitura (onde os nossos jovens dizem que é 'muito chato ter que ler') e não há consciência nem memória política, histórica nem económica.
-Onde os nossos políticos trabalham dois dias por semana para aprovar projectos e leis que só servem para caçar os pobres, arreliar a classe média e beneficiar alguns.
Pertenço a um país onde as cartas de condução e as declarações médicas podem ser 'compradas', sem se fazer qualquer exame.
-Um país onde uma pessoa de idade avançada, ou uma mulher com uma criança nos braços,
ou um inválido, fica em pé no autocarro, enquanto a pessoa que está sentada finge que dorme para não lhe dar o lugar.
-Um país no qual a prioridade de passagem é para o carro e não para o peão.
-Um país onde fazemos muitas coisas erradas, mas estamos sempre a criticar os nossos governantes.
Quanto mais analiso os defeitos de Santana Lopes e de Sócrates, melhor me sinto como pessoa, apesar de que ainda ontem corrompi um guarda de trânsito para não ser multado.
Quanto mais digo o quanto o Cavaco é culpado, melhor sou eu como português, apesar de que ainda hoje pela manhã explorei um cliente que confiava em mim, o que me ajudou a pagar algumas dívidas.
Não. Não. Não. Já basta.
Como 'matéria prima' de um país, temos muitas coisas boas, mas falta muito para sermos os homens e as mulheres que o nosso país precisa.
Esses defeitos, essa 'CHICO-ESPERTERTICE PORTUGUESA' congénita, essa desonestidade em pequena escala, que depois cresce e evolui até se converter em casos escandalosos na política, essa falta de qualidade humana, mais do que Santana, Guterres, Cavaco ou Sócrates, é que é real e honestamente má, porque todos eles são portugueses como nós, ELEITOS POR NÓS. Nascidos aqui, não noutra parte...
Fico triste.
Porque, ainda que Sócrates se fosse embora hoje, o próximo que o suceder terá que continuar a trabalhar com a mesma matéria prima defeituosa que, como povo, somos nós mesmos.
E não poderá fazer nada...
Não tenho nenhuma garantia de que alguém possa fazer melhor, mas enquanto alguém não sinalizar um caminho destinado a erradicar primeiro os vícios que temos como povo, ninguém servirá.
Nem serviu Santana, nem serviu Guterres, não serviu Cavaco, nem serve Sócrates e nem servirá o que vier.
Qual é a alternativa ?
Precisamos de mais um ditador, para que nos faça cumprir a lei com a força e por meio do terror?
Aqui faz falta outra coisa. E enquanto essa 'outra coisa' não comece a surgir de baixo para cima, ou de cima para baixo, ou do centro para os lados, ou como queiram, seguiremos igualmente condenados, igualmente estancados... igualmente abusados !
É muito bom ser português. Mas quando essa portugalidade autóctone começa a ser um empecilho às nossas possibilidades de desenvolvimento como Nação, então tudo muda...
Não esperemos acender uma vela a todos os santos, a ver se nos mandam um Messias.
Nós temos que mudar. Um novo governante com os mesmos portugueses nada poderá fazer.
Está muito claro... Somos nós que temos que mudar.
Sim, creio que isto encaixa muito bem em tudo o que anda a acontecer-nos:
Desculpamos a mediocridade de programas de televisão nefastos e, francamente, somos tolerantes com o fracasso. É a indústria da desculpa e da estupidez.
Agora, depois desta mensagem, francamente, decidi procurar o responsável,
não para o castigar, mas para lhe exigir (sim, exigir) que melhore o seu comportamento e que não se faça de mouco, de desentendido.
Sim, decidi procurar o responsável e ESTOU SEGURO DE QUE O ENCONTRAREI
QUANDO ME OLHAR NO ESPELHO. AÍ ESTÁ. NÃO PRECISO PROCURA-LO NOUTRO LADO.
E você, o que pensa ?... MEDITE !
EDUARDO PRADO COELHO

Texto escrito por Eduardo Prado Coelho - in Público

4 comentários:

  1. Bom dia, Zé Ferreira.

    Pouco tenho a dizer a não ser que, aqui no Brasil ainda é bem pior, isto te garanto, e não um problema que tenha solução, sei que é horrível o que vou escrever, mas odeio votar, perder tempo sabendo que nada vai mudar, se não fosse obrigatório e se não fosse punida nem iria.

    Beijo e muito contrariada, pois minha vez de ir votar esta cada dia mais perto.

    Renata

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  2. Minha querida Renata,
    É assaz curioso notar que o desencanto nos políticos nos leva e extremos destes. Aqui, depois das últimas eleições, a abstenção transformou-se na maior representatividade de todos os cidadãos inscritos, com 39,4%! Já tive oportunidade de trocar algumas ideias com um seguidor seu, o Jaime Latino Ferreira (não é de família) explicando-lhe porque sou abstencionista militante.(isso está no seu blogue)
    Lamento que exista no Brasil punição para quem não vota. Mesmo assim restarão ainda as hipóteses de voto nulo ou em branco.
    A democracia não se esgota no voto, mas a falta dele ou a sua tipologia negativa, pode dar indicadores bem claros para quem pretende governar os nossos destinos. Toda a massa critica que se forme é importante (será espero) contribuindo para que algo mude.
    Beijo solidário muito grande,

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  3. Bom dia,meu amado amigo (desculpe pela intimidade).

    Mas voto nulo, nossa urna é eletrônica. Mas não vim até aqui falar sobre este assunto, chato, Jaime não é parente, mas um amigo ele e sua esposa Manuela, ótima escritora.

    Beijos

    Renata

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  4. Boa tarde minha querida amiga Renata,
    Não tenho nada que desculpar por me considerares de amado amigo. Pelo contrário, me dá muito prazer. Meus filhos também dizem me amar. Acho que há muitas formas de amar e sinceramente, sem nada de egocêntrico, eu amo elas todas.
    Voltando à questão das votações, desculpa a minha ignorância em relação ao sistema electrónico brasileiro, mas julgo haver, na máquina, pelo menos a opção "do botão branco".
    Olha, deixa pra lá, não quero influenciar-te numa matéria tão séria.
    Prefiro muito mais que continues considerando-me " teu amado amigo"
    Aproveito para dizer que a "saudável e acesa conversa" que vimos trocando, o Jaime e eu, todinha se deve ao epicentro do teu blogue.
    Bem hajas minha querida!
    Tenho o gosto de ter pouco seguidores, mas todos muito bons. Tu estás na primeira fila.
    Um grande, enorme beijo, deste lado do Atlãntico, sem provocar tsunami, espero!

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