O Dilema
Não.
Não se trata
do dilema de Eutífron, nem tão pouco utiliza-lo como argumento propositivo ao
tema que abaixo desenvolvo.
Trata-se antes do dilema, direi,
necessidade premente, de escolher entre dois tipos de Democracia imposta, actualmente, pela falência de um deles.
Atentemos nos dois tipos em análise: Democracia
representativa e Democracia
participativa. Poderão parecer sinónimos, mas encerram, na sua concepção,
filosofia e concomitantes ideologias, diferenças substanciais.
Democracia Representativa é consensualmente aceite como o exercício
do poder político pelos cidadãos, através de eleições, exercido indirectamente através de seus representantes ─ designados pelos partidos políticos ─
com mandato para os representar, em seu nome e pela autoridade por esse meio
conferida, isto é, legitimados pelos resultados da consulta popular.
Democracia
Participativa é hoje considerada o que poderá via a ser um modelo no
exercício do poder político praticado através do debate público entre cidadãos,
eleitores e eleitos, em condições iguais de participação.
Para
tal podem ter acesso permanente aos seus representantes e não apenas periodicamente, nas eleições ─ como
na Democracia Representativa ─ fazendo ouvir as suas opiniões
por forma institucionalizada, antes da tomada de decisões e deliberar sobre elas.
Aplicam-se
deste modo, mecanismos de controlo exercidos pela sociedade civil sobre o
Governo e Administração Pública em geral, não se reduzindo o papel democrático
dos cidadãos apenas ao voto
expresso nas urnas, mas alargando-o, democraticamente, à esfera social,
interventivamente.
Está
assim assegurado o princípio democrático
da participação. Ela pode assumir as
mais variadas formas, todas conducentes, sempre, à tomada democrática das decisões.
Basta efectuar uma constatação factual, intelectualmente
séria ─ percorrendo a história recente ─ para concluir que a Democracia Representativa é hoje um logro, uma falácia quanto à
real representatividade que deveria possuir, refém, na maioria dos casos, das
estruturas partidárias, ou seja da partidocracia.
Estas, por sua vez, alimentam-se e são ferverosamente suportadas e
defendidas por interesses colaterais, usualmente ligados aos domínios dos
grandes interesses económico e financeiro.
Ao contrário, a Democracia
Participativa confere a possibilidade de intervenção directa dos cidadãos
eleitores nas tomadas de decisão e de controle do exercício do poder ou dos
detentores de cargos executivos do governo.
A legitimidade das decisões políticas advém da possibilidade de
discussão que, orientada pelos princípios da inclusão, do pluralismo, da
igualdade participativa, da autonomia e da justiça social, conferem um
reordenamento na lógica de poder político tradicional. Ou seja, os cidadãos
são parte integrante do sistema e não meros espectadores, sem possibilidade de
intervir institucionalmente, com voz activa, ao invés de serem obrigados a
aceitar, passivamente, todas as decisões politicas emanadas pelo poder, alegadamente
representativo.
Dito isto e não particularizando, deveremos atentar no
que se está presentemente a desenvolver na Europa, incluindo Portugal. O
despontar de novos e diferentes Movimentos e Partidos Políticos, ─ fora do
espectro cromático habitual ─ são bem a prova do cansaço, desilusão e resiliência
à miséria, dos cidadãos, face à persistência no flagelo corrosivo e pernicioso,
dos malefícios impostos pela partidocracia
vigente nas Democracias Representativas nestas
últimas quase quatro décadas, com evidente degradação nas condições de vida das
populações em geral.
A consciencialização dos cidadãos para este beco actual,
quer pela auto-experiência das desgraças sociais, quer pelo alertar e aumento
da massa crítica de alguns, conduziu-nos a uma forma de reacção política
inimaginável há cinco anos atrás.
As mudanças que agora ocorrem nas democracias europeias,
poderão não conduzir de imediato a grandes alterações estruturais no tecido
político. Colocam todavia um travão já visível na tendência de entendimento da vontade dos cidadãos na mudança,
sobretudo quanto ás politicas da dita Democracia
Representativa, avulsas e de aplicação paliativa, sempre em beneficio de
alguns e a desgraça de muitos.
Continuará a estar na nossa mão contribuir por forma
consequente para essa mudança. Como já disse antes, entendo que a Democracia
não poderá existir sem partidos. Com os partidos actuais é que não. Continuar a
votar neles é garantir a continuidade do garrote da desgraça e miséria a que
nos conduziram. Julgo ser desnecessário entrar em minudências…
O voto inteligente será a melhor opção, independentemente
das convicções políticas de cada um. Só
assim conseguiremos almejar mudanças substantivas.
José Ferreira