Eleições autárquicas: escaras
dissimuladas…e o falacioso autismo partidocrático
Foram no passado domingo e os resultados finais já se
encontram disponíveis. As freguesias que boicotaram as eleições (2) não irão
certamente alterar substancialmente os resultados já escrutinados. Sem dúvida
que os seus resultados indiciam um início de mudança do paradigma político
actual.
Por muitos paliativos que os partidos coloquem nas feridas,
elas, as escaras, estão lá, sangram de novo, fendas abertas por debaixo da pele
aparentemente escarificada; sem exanimação ou desfalecimento visíveis, induzindo
ausência de dor, pois nenhum dos partidos se lamenta. Esse continua a ser o
autismo da partidocracia, continuando a necessitar de urgente aplicação de probidade
adequada.
Assim, cada um alegremente à sua maneira, trata de
classificar as perdas como irrelevantes e os ganhos em honrosas conquistas sem
sequer considerar, com a mais elementar minudência, o significado dos
resultados obtidos, para além da análise facciosa dos números, não lhes
interessando, por ora, analisar e dissecar as efectivas razões que estiveram na
sua origem.
É evidente que há vitórias que são incontestáveis, resultado
de posturas recorrentes, misto de acção postular e demonstração prática de ideologias
e lealdade ás mesmas. Salvo raras excepções, todas elas estão muito mais
ligadas às pessoas que as representaram do que ao postulado partidocrático.
Fui dos que aqui e não só neste local, por este meio e
outros, advoguei uma posição crítica extrema face a todas as eleições, isto
tendo em atenção a perniciosa acção dos partidos políticos em geral, em
especial dos alegadamente chamados do “arco
do poder”. Essa posição traduziu-se no “abstencionismo
militante” (abstenção pura, votar branco ou nulo)
Foi e continua a ser uma posição que pretende criar massa crítica
suficiente para alertar, eficazmente, a partidocracia sufocante implantada, por
forma a possibilitar um entendimento abrangente entre todos os partidos
políticos, tendo em vista a defesa dos reais interesses dos cidadãos, ao invés
da escandalosa defesa dos interesses das suas hostes partidárias.
Não obstante a evidente matriz como que marca-de-água-politica ainda inculcada em grande parte dos
cidadãos, sem dúvida que essa filosofia acabou por ser entendida pelos que
directamente contactei mas, mais importante, por ser sentida e partilhada por
muitos outros cidadãos, fora deste círculo, acabando por ser aplicada por forma
muito mais ampla e diversificada. A votação em candidatos independentes foi
outra forma muito expressiva de repúdio ao sistema partidocrático vigente.
(relembro que dada a especificidade destas eleições, eu próprio sugeri, este
tipo de voto, como excepção, posto que o conhecimento pessoal dos candidatos
influiria e possibilitaria um sentido de voto com maior clareza, pois
tratava-se de votar em pessoas, não nos símbolos formatados que a diferente
partidocracia pretendia impingir)
Por outro lado, o sentimento de desagrado subjacente à
insatisfação com o governo actual, terá sido outro factor que contribuiu para
toldar a real intuição e concomitante aplicação do voto, dando-lhe um sentido
mais adequado. Falo obviamente da transferência de votos para outros partidos,
com intenção claramente punitiva.
Conjugando todas estas posições, atentemos nos seguintes
dados:
1.
Total de Inscritos: 9.497.404 (a)
2. Votos expressos: 4.995.174
─ 52,6%
3. Abstencionistas: 4.502.230
─ 47,4%
4. Votos Brancos: 147.124
– 2,95%
5. Votos em Nulos: 193.334
– 3,87%
6. Votos em independentes: 344.566 – 6,90%
7.
Total que não votou em partidos
políticos: 5.187.254 – 54,6%
8.
Total que votou em partidos
políticos: 4.310.150 – 45,4%
(a) Os dados do recenseamento eleitoral
são desde longa data de baixa fiabilidade, Presentemente, não estará considerado o crescimento da
emigração, bem como a actualização dos óbitos A discrepância entre os
números de eleitores inscritos nos cadernos eleitorais (9.497.404) e de
cidadãos residentes em Portugal com mais de 18 anos, (8.607.853, i.e. menos
889.551 cidadãos) é evidente e considerando-a, modificará quer a taxa de abstenção, quer a de votantes, significando
uma diferença aproximado de 9,00% ou seja, se considerarmos a abstenção em relação ao número de cidadãos
residentes com mais de 18 anos, teremos uma abstenção na ordem dos 41.9% o que
será mais realista…Teríamos assim, para o total de cidadãos que não votaram
em partidos políticos (4.297.703) uma taxa de 49,9% ao que corresponderia uma
representatividade partidária de 50,0%
Poderemos portanto, face
aos números oficiais, concluir que estas eleições resultaram numa maioria de
cidadãos (54,6%) fora do sistema partidocrático, não sendo portanto representados
por nenhum partido político. Esta será certamente uma análise que os partidos
políticos não irão fazer, continuando a não colher os ensinamentos bem
explícitos que estes números representam. Se considerarmos os resultados face
ao número de cidadãos com idade superior a 18 anos, teremos mesmo assim, um
país claramente dividido em duas metades.
Não sou apologista da abolição pura dos partidos políticos.
Continuo convicto que a sua existência é essencial numa Democracia. Todavia a
sua existência nos moldes e formas de actuar vigentes tem de mudar. Não servem
os cidadãos e, desse modo, a sua existência tem de ser entendida com o
objectivo recorrentemente claro de defender a sua clientela partidária, os seus
apaniguados.
Há que mudar este regime, pois doutra forma, continuaremos
cada dia que passa, a cavar mais fundo o fosso entre ricos e pobres, com o
alargamento incontrolado da indigência da maioria dos cidadãos. Será por
isso necessário que continuemos a actuar por forma a que os partidos políticos entendam que
representar os cidadãos não é servirem-se do seu voto, mas antes que a sua
escolha, ao votarem, seja respeitada em defesa do seu bem-estar e não
proporcionar somente o bem-estar da classe politica em que votaram. Teremos
portanto que utilizar sabiamente a arma veicular que possuímos com maior
impacto: as eleições e a forma como aproveitamos essa oportunidade em expressar
o nosso repúdio e descontentamento às políticas partidocráticas vigentes que
nos sufocam.