quinta-feira, 22 de outubro de 2009
Curiosidade linguísticas
Como suponho já ter tornado público neste espaço, por obrigação profissional, fui visitante frequente da cidade de Milão, umas vezes de passagem, outras com estadias mais prolongadas.
Nos diferentes contactos que fui efectuando, um houve que se tornou incontornável. Tratou-se do D. A. (por razões meramente de respeito à privacidade do citado e sua família, não mencionarei explicitamente os respectivos nomes)
Nessa altura, teríamos aproximadamente a mesma idade, rondando os vinte e sete anos. O D.A. era por formação, engenheiro químico, responsável executivo pela comercialização doméstica e internacional da produção de uma pequena mas eficiente fábrica, que o grupo possuía em Subiaco, (pequena comuna a cerca de 60 quilómetros de Roma, onde a família Medici, terá possuído um palácio de férias) que produzia os produtos que nós aqui, em Portugal, importávamos e distribuíamos em exclusividade.
Possuía uma personalidade transbordante de vivacidade e, ao longo do tempo, foi-se entre nós, cimentando uma sólida amizade.
Tinha passado, a titulo esporádico e passageiro, no auge da sua vida universitária, pelas Brigate Rosse (por cá conhecidas como as Brigadas Vermelhas, usualmente confundidas, na época, como ligadas à Baader-Meinhof, alemã, o que não era exacto)
Dado a conhecido extremismo nas actuações daquele movimento, cedo me assegurou que, no curto tempo da sua permanência no movimento, jamais haver participado em acções violentas. O trabalho exterior mais relevante que teria executado, segundo ele, teria sido a distribuição e colagem mural de panfletos.
Pela amizade e sintonia de ideias em relação ao que experimentamos, enquanto estudantes, e, mais tarde, nas áreas da nossa actividade profissional, quer ainda pelas opiniões que partilhávamos em relação ao Mundo, acabamos de ser visitas, reciprocas, aos nossos nichos familiares, eu mais na casa dele, em Milão, do que ele na minha, em Linda-A-Velha.
Assim, foi com naturalidade que passei a ir jantar a sua casa em Milão, cidade onde o Grupo tinha a sua sede. G., a sua mulher, para além da sua afabilidade e efusiva simpatia, era uma excelente cozinheira e recusar um convite para ir comer lá a casa, era quase um sacrilégio.
Uma das vezes, tive o gosto de conhecer o pai do D.A. homem dos seus 60 anos, bem conservados, pessoa encantadora e com uma cultura geral bastante evidente, nascido e vivido em Génova, incluindo a vida académica, assumindo-se como um genovês de boa gema, não pretendendo ser considerado nem mais, nem menos, do que isso exactamente.
Após um lauto jantar e já degustando um vinho do Porto, que daqui levara (costume que se enraizou com o velho sentimento de reciprocar a gentileza dos convites) no decurso de amena cavaqueira, foi inevitável falarmos das históricas relações entre a Itália e Portugal a nível cultural, espiritual e de partilha de empreendimentos, sobretudo no âmbito da navegação marítima do século XV.
Palavra puxa palavra e já não me recordo bem porquê, o pai do D.A. começou a falar em dialecto genovês,(por ele enfatizado, já ser muito pouco usado)de qualquer forma, assaz diferente da língua italiana.
Julgo que a culpa terá sido minha, pois, por simpatia, atendendo à origem genovesa do simpático chefe do clã A., não me contive em referir, em termos elogiosos, claro, o grande navegador Colombo, também ele genovês.
Até aqui nada de estranho a não ser o espanto do D.A., de seu pai, da G. e meu próprio, quando descobri e fiz constar aos presentes, que conseguia entender perfeitamente (talvez em 95%, ou mais) o que o pai do D.A. ia verbalizando em dialecto genovês, coisa que o próprio D.A. e a G. Não conseguiam de todo!
Para possibilitar alguma compreensão e introduzir credibilidade suficiente ao acontecido, ensaiei replicar ao pai do D.A., não em genovês, mas em português tendo o entendimento resultado com algum grau de percepção, isto segundo o alegado pelo genovês,senhor A. pai do D.A.
Após alguma discussão, se foi inculcando nos presentes a convicção de que esta semelhança de vocalidade quase lexical, terá tido, pela certa, origem no fecundo intercâmbio marítimo dos dois povos nos séculos XV e XVI, e assim contribuído, definitivamente, para que o dialecto assim falado em Génova, se assemelhasse tanto à língua portuguesa.
Ainda no âmbito das surpresas e curiosidades linguísticas, mencionarei, outra também ocorrida em Milão, não desta vez, mas numa outra.
Ao passar, de manhã, por um quiosque de rua, apercebi-me que um dos diários expostos, referindo-se ao jogo do dia anterior entre o Inter e o Milão, colocava em título destacado, a grande enchente verificada ao estádio pelos tifosi de ambos os clubes, na qual estariam incluídos, pelo menos 3.000 “portuguese”.
Como é óbvio, fiquei surpreendido, pois para além de Milão na altura, não ser um destino tipico de emigração portuguesa, tratava-se ainda de um derby 100% milanês.
Ao comentar a minha surpresa com o D.A. sobre esta citação jornalística, fiquei então a saber que a designação “portuguese” se aplicava usual e simplesmente para designar os indivíduos que entravam nos estádios sem pagar bilhete! (em bom português "de salto")
Não consegui uma explicação cabal quanto à razão desta classificação, tendo concluído, mais uma vez, que a mesma estará relacionada com aquilo que, um ou mais portugueses, algures no tempo, terão perpetrado, localmente, para justificar a utilização de tal apodo!
Coincidências?
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Zé
ResponderEliminarAcabei de subir e cheguei aqui à cidade de Milão.
A viagem valeu a pena!
Um abraço
Manuela Baptista
Olá Zé,
ResponderEliminarGostei muito do comentário sobre filosofia,como terapia, que fez no meu blog. Eu quando li sobre esse assunto, como desconhecia, fiquei a pensar e a reflectir sobre o mesmo. Obviamente que quem fôr a uma consulta terá que ter um nível cultural acima da média, para poder replicar. Penso que, tanto a nível da filosofia, como da psicologia, os resultados poderão ter a ver com o que cada pessoa pensar da credibilidade dos mesmos. Se uma pessoa fôr cheia de cepticismo, provavelmente não dará nada, mas até considero que há momentos na vida, que seria bom ter uma pessoa à altura, para debater problemas existenciais. Às vezes tenho feito a minha terapia existencial através de leituras.
Gostei deste seu post, pode escrever muito que nunca cansa, pela sua forma de expôr os assuntos. Li algures, que Portugal/Espanha/França/Itália e outros pequenos dialectos, que pertencem ao grupo das línguas românicas, têm similitudes e que é possível entender, se falarmos devagar.
Milão deve ser uma cidade fabulosa, aliás como outras cidades italianas.
Um grande abraço,
Marisa
Sim, senhor, deveras interessante, como entendias o dialecto genovês:) Gostaria de ter estado lá contigo, a beber o vinho do Porto:)
ResponderEliminarBeijinhos
Olá Isabel,
ResponderEliminarFaz tempo que não te lia, aqui no meu espaço, pois, continuo, regularmente, a dar saltadas ao teu "histórias com vida".
Espero, agora com uma ministra da educação, também professora e escritora, que a problemática da tua classe, que se arrasta há séculos, se possa resolver a contento das partes envolvidas.
Dir-te-ei ainda que não obstante a qualidade e características ímpares do nosso vinho do Porto a zona norte de Itália produz, igualmente, vinhos de grande qualidade.
Foi um grande prazer ler-te.
Beijo grande,
Zé
Zé
ResponderEliminarDe vez em quando espreito os blogs dos amigos,e desta, achei imensa graça ao seu comentário aos "portuguese".
Uns amigos meus, de Roma, contaram-me que esse termo vem de 1516, aquando duma Embaixada que D.Manuel I enviou a Roma e da qual constava um Elefante para ofertar ao Papa Leão X.
Tal como hoje... os portugueses, abusando da recepção que lhes foi feita, entraram,comeram e beberam em todos os lados agradecendo (supostamente...) mas sem pagar....
Portanto, desde aí, tudo que entrasse à borla, passou a ser conhecido por "portuguese"
Há uma obelisco com um elefante, frente à Igreja Sª Mª Sopra Minerva, em Roma.
Quis confirmar a história, mas na Wikipédia , apenas aprendi o nome do Elefante : Hanno!
Uma beijoca
Bé