É elementar que o artista não cria a realidade; vai buscar os materiais que se lhe oferecem, que lhe são comuns com os outros homens; na escolha deles residem o seu primeiro trabalho e a sua primeira prova; em seguida — e aqui temos a sua tarefa mais alta — tece um certo número de relações entre esses elementos; quanto mais amplas elas forem, de mais universal carácter e valor, tanto mais elevado será o poema; mas, até nos casos mais simples, surge com a obra um mundo novo, um mundo que não existia com tal arquitectura, com tal ordem.
Se cabe ao poeta ou ao escultor criar um universo, cabe ao crítico criar um artista; dele também não existem, antes da empresa crítica, senão os elementos dispersos, os vários traços dos seus versos ou das suas estátuas; Fídias ou Milton só passam verdadeiramente a ser quando encontram Collignon e Macaulay; os Erasmos de dois autores diferentes são diferentes, como são diferentes as árvores de Cláudio Lorena e as árvores de Beruete; se quiséssemos entrar na carreira de colocar as artes em degraus poríamos o crítico no mais alto de todos: porque é a ele que compete a missão de criar o criador; tem, na arte, o trabalho que tomam para si o teólogo e o filósofo no mundo mais vasto do pensamento. Não temos nada a objectar a que o artista não ouça o crítico, embora, se esmiuçássemos, acabássemos por ter de reconhecer tal caminho como impossível; suponhamos que é sempre o contrário que se tem que dar: é o crítico quem deve seguir, com amorosa atenção, a fantasia do artista. Nada, portanto, de crítica normativa; só explicativa e ressoadora (como se tudo isto não incluísse sempre uma norma); faça o artista o que quiser, ninguém lhe dê conselhos, e se lhos derem ria o artista; a sua órbita depende da sua vontade; rume a que céus quiser e seja imprevisível.
Mas, como o crítico é também um artista, tem ele mesmo o direito de exigir que lhe não ponham barreiras, que o deixem ser à vontade juiz ou ampliador e que o expliquem depois, se quiserem; é ilógico impor limites ao crítico, quando se quebram esses limites em nome da liberdade de criação; ou um e outro os devem ter, e nesse caso o crítico pode ser pedagógico (que haverá não pedagógico?) e o artista tem de o escutar e seguir, ou se derrubam para todos e então nada de regras e manuais destinados aos críticos; a atitude a escolher é uma só: tudo o mais confusão e prosa inútil.
Agostinho da Silva, in 'Diário de Alcestes'
Gosto muito de Agostinho da Silva!
ResponderEliminarNo meu percurso educativo acompanhou-me durante anos.
Quem disse que os professores não são líricos?
De facto os críticos deveriam ser artistas, pois quem verdadeiramente pode criticar o que desconhece?
Nós podemos apreciar, gostar ou detestar.
Um abraço
Manuela Baptista
JOSÉ FERREIRA
ResponderEliminarCaríssimo,
Conheci pessoalmente o Agostinho da Silva e dele guardo, não apenas gratas recordações como preciosos incentivos no início desta minha senda que da arte também tem a crítica!
Graças também a ele, numa altura em que quase todas as portas se pareciam fechar, os seus cartões reconhecidos e estimulantes nortearam-me na capacidade auto-crítica de constatar que não estava assim tão louco como alguns, eventualmente, nas minhas costas prognosticavam.
Grande homem, grande referência, atrever-me-ía a dizer, da cultura universal!
Um grande Abraço
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 27 de Novembro de 2009
Manuela e Jaime,
ResponderEliminarSabe bem sentir que se partilham idênticos gostos, sobretudo quando são referenciais, sem dúvida Universalistas, como no caso do Agostinho da Silva.
Abraços a ambos
José Ferreira
Olá José!
ResponderEliminarVim ver como o era o dizer por aqui das palavras,
das que escreve e nos dá a ler
E fiquei.
Gostei muito do que li.
E junto-me aos três, José Manuela e Jaime, nos vossos dizeres, das palavras do Mestre Agostinho da Silva, embora muito àquem no conhecer de toda a sua Obra,
mas que sim do que li gosto muito.
Gosto ou não gosto. Nunca detesto.
E gosto de Agostinho da Silva.
Beijinhos aos três(...)
Dulce.
Dulce,
ResponderEliminarGrato por teres poisado neste modesto espaço.
Não é difícil, mesmo para quem não o conheça, gostar do Agostinho da Silva.
Foi uma honra podes crer, proporcionar-te esse gosto.
Beijo reconhecido,
José Ferreira
Dulce,
ResponderEliminarJá agora, reiterando convite que já lhe coloquei no blogue do Jaime, passe pelo meu blogue:
www.somethingformypleasure.blogspot.com
é um espaço reservado a parte da minha modesta obra pictórica.
Mesmo que não goste, não detestando, comente!
José Ferreira
Dulce,
ResponderEliminarAinda para lhe agradecer ter-se registado como seguidora.
Tentei agradecer-lhe no seu blogue, mas ou não tenho arte nem engenho, ou de facto o seu blogue está configurado sem disponibilidade para tal.
Beijo
José Ferreira
José,
ResponderEliminarBom dia.
Não conseguiu nem conseguiria. Porque a tem toda a arte e engenho. Porque eu é que não tenho blog, já um amigo me falava em o promover mas por ora tenho outros afazeres que me dão muito que fazer, não o devo portanto promover. Outro dia quiça...
E José eu já fui ao seu blog de Arte e achei maravilhoso e fiquei por lá algum tempo e até lhe deixei os meus nomeados... e hei de lá voltar, sigo-o também nesse caminho, tão próprio e expressivo.
Muitos beijinhos e qe tenha uma semana de boas expressões, quaisquer que sejam...
Bom trabalho!
Dulce.