quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Afinal sempre evoluimos, mas pouco

O que aqui hoje me traz é a evidente constatação de que a experiência, a vivência, ao longo dos anos, em contraposição a princípios Humanistas, nos trazem analogias factuais, que mesmo dolorosas, nos confortam e premeiam, pelo menos a nível intelectual.

Vem este intróito a propósito do que o recente terramoto no Haiti provocou e está a provocar, não tanto em termos materiais, mas muito mais em termos Humanos, quer pela perda de vidas, quer por aquilo que ainda se virá a contabilizar em feridos, eventuais futuros inválidos, por um lado, e, por outro, a enorme onda de solidariedade que se propagou, por todo o lado um pouco, felizmente.

Teria eu aproximadamente 20 anos, em 1964 portanto, quando conheci, por motivos profissionais o Gunter, homem já maduro, um inquestionável técnico de radar, ao serviço de um fabricante norte-americano, representado pela empresa onde eu, naquela altura, trabalhava.

Ele veio a Portugal para ministrar um curso de radar de tempo, implantado no nariz dos aviões (também conhecido por Doppler, por ser baseado no principio descoberto pelo austríaco com o mesmo nome) à equipa de formação da TAP.

O Gunter era alemão e estava sediado nos escritórios da filial da empresa norte-americana para que trabalhava em Frankfurt, assegurando, para toda a Europa, treino e assistência técnica aquele tipo de equipamento.

Após dois dias, de forma espontânea, e com alguns alguns whiskies aconchegados depois do jantar, dissertou sobre a sua experiência como piloto da Deutsche Luftwaffe, (força aérea alemã) durante a segunda guerra mundial, ao serviço da qual, por ter sido atingido por um avião inimigo e uma aterragem forçada, ficou sem parte de uma perna, daí o arrastar da mesma, pois utilizava uma prótese sem flexibilidade. (a tecnologia protésica não tinha chegado ainda às articulações, suponho)

Até aqui nada de extraordinário a não ser a minha atenção e espanto pela narrativa, pois era para mim surpreendente poder ouvir ao vivo, histórias dum participante na segunda guerra mundial.

Todavia cedo se me desfez o encanto.

Assim foi.

Palavra puxa palavra, falava eu da ditadura que ainda grassava em Portugal, das recentes lutas contra esse Estado, incluindo as estudantis (nas quais havia participado) da tragédia humana que proliferava por este Mundo fora, miséria, fome e provação de milhões de seres humanos.

Lembro-me, a este propósito, ter dado como exemplo a Índia e a possibilidade de ajuda dos países ricos (como a Alemanha) disponibilizando ajuda às necessidades prementes que aquele país necessitava…

Aí, inesperadamente, todo o ADN nazi do Gunter se revelou, plenamente.

Não!

A Índia não precisava de ajuda externa, coisa nenhuma.

Mandar para lá comida era agravar o problema.

Como?

Simplesmente porque desse modo eles ficavam com mais possibilidades de sobreviver, com mais força para copularem e, concomitantemente, aumentar a população, aumentar o mal.

A sua solução era simples: deixa-los morrer, naturalmente, de fome, ou doença.

Por isso e não obstante as assimetrias que ainda se verificam neste Planeta com 6.902  milhões de pessoas - a persistência da fome, miséria e desigualdades sociais - o movimento solidário de ajuda à tragédia do Haiti, me deixa mais confortado, mas não descansado, todavia.

Sejamos honestos e reconheçamos que antes do terramoto - mesmo considerando as recentes e cíclicas tempestades naturais que por ali são recorrentes - quem se importou, antes, com a miséria, com a tirania e violência que sobre o povo  Haitiano se abateu durante anos? 

Será mais ou menos um Dolar ou Euro depositado numa qualquer conta, uns milhões que sejam, por  alegadamente bondosa caridade que irá remediar este mal?

Será evocarmos os Deuses, rogando-lhes ajuda Divina?

Quem se importou, preocupou,  importa ou preocupa de forma consequente, pelos povos africanos, sul-americanos, sub-sarianos e orientais entre outros, que continuam a morrer, diariamente, com falta de tudo o que é essencial? (recordemos o que sem ser de dimensão ou origem idêntica, cá em Portugal começa a ter contornos e dimensão social séria)


Há certamente muita gente. Mas não toda da mesma forma.


Afinal,  alguma coisa mudou, mas muito pouco.


Mas também, muito mais é preciso. Sobretudo,  deixarmos de ser hipócritas.

19 comentários:

  1. José,

    concordo plenamente contigo:deixarmos de ser hipócritas!

    Gostei demais do teu post.Verdadeiro.Explícito.


    Nem preciso dizer mais.


    ...



    Um beijo :))

    ResponderEliminar
  2. JOSÉ FERREIRA


    Meu Caro,

    ... e para que não voltes a dizer que sou egocêntrico, bem sei, bem sei que apenas me querias espicaçar (!), ainda arranjei tempo de vir aqui!

    Claro que há que denunciar a hipocrisia mas, sabe-lo bem (!), esta não invalida a solidariedade que, nesta ocasião se manifesta e essa já é uma boa chicotada na própria hipocrisia!

    Um abraço, teu


    Jaime Latino Ferreira
    Estoril, 15 de Janeiro de 2010

    ResponderEliminar
  3. Linda,

    Obrigado.
    Ter amigos solidários também é bom, eita!

    Beijos

    José

    ResponderEliminar
  4. Caro Amigo Jaime,

    Espicaçando-te de novo, direi mais.

    Que consegues ser surpreendentemente ubíquo. (isto sem ofensa ao teu Deus)

    Ter-te como amigo solidário, é reconfortante.

    As causas, grandes ou pequenas, necessitam de malta solidária.

    Aí, diga-se, estás na linha da frente!

    Um Abraço,

    José

    ResponderEliminar
  5. Cá para mim

    a malta é de todas as espécies

    solidários
    hipócritas
    facciosos
    corajosos

    e humanos!

    Mundo perfeito ou Paraíso Terreal?
    Mas que está nas nossas mãos, lá isso está!

    um abraço

    Manuela

    ResponderEliminar
  6. Manuela,

    Nem mais.

    Está nas nossa mãos.

    Infelizmente não nas mãos de toda a malta, Humana.

    Um abraço

    José

    ResponderEliminar
  7. Pois então estou relendo seu posto, agora depois de ver algo que disse o consul do Haiti, depois confere

    http://is.gd/6jg1H Palavras são sementes, pior que ele é representante... Deus me livre e livre o povo de gente assim!

    E de verdade pq é necessario ecatombs, pra o olhar do mundo, das autoridades pra os povos?
    Vi o par chorar ontem , dei um jeito de prestar atenção, eu estava em meu pc d onde o vejo na cama, ele via uma matéria sobre os haitianos que comem bolinhos, não d carne ,mas de barro! E so tem sal quando há algum milagre.
    Sabe por isso não escrevo nada nesse momento sobre o que acontece,pois é visível, escrevo sempre pq a dor é sempre...porem como que anestesiados ...
    fechamos o olhos,parece mais facil.

    Bjins

    ResponderEliminar
  8. Adoro como esse grande brasileiro expoe a vida :
    ""Convém não facilitar com os bons, convém não provocar os puros. Há no ser humano, e ainda nos melhores, uma série de ferocidades adormecidas. O importante é não acordá-las.
    Nelson Rodrigues""

    ResponderEliminar
  9. Cati,

    Pois assim é.

    Não temos nas nossas mãos as soluções para todos os problemas do mundo, mas diante de todos os problemas do mundo temos as nossas mãos.

    Há somente que saber utiliza-las correctamente.

    De facto o Mundo está cada vez mais dividido entre os que tudo têm e pouco dão e os que não tendo tudo, pouco ou nada pedem, tudo dão, aos que nada têm.

    Já agora, para ti calíope brasileira, te envio esta sextilha do grande Fernando Pessoa:

    "Temos, todos que vivemos,
    Uma vida que é vivida
    E outra vida que é pensada,
    E a única vida que temos
    É essa que é dividida
    Entre a verdadeira e a errada. "


    Beijo,

    José

    ResponderEliminar
  10. JOSÉ FERREIRA


    Caríssimo,

    Ubíquo ...!

    Eu não disse que estava em todo o lado ao mesmo tempo, disse apenas que ainda tinha arranjado tempo de vir até aqui.

    Isso foi hoje de manhã, calcula (!), porque entretanto só agora voltei a estar disponível.

    Emendar-te-ei, então, para te dizer que quanto muito serei metódica e faseadamente disponível!

    Um abraço e um bom fim de semana


    Jaime Latino Ferreira
    Estoril, 15 de Janeiro de 2010

    ResponderEliminar
  11. Eu por mim entendo que ...talvez não deixemos nunca de ter a hipocrisia em algumas pessoas...mas também que importa..?! Por opção sei bem com quem quero estar e neste grupo não as contemplo gente hipócrita..!!

    Neste grupo de gente sã de que muito gosto também estás José... e Manuela e Jaime e Linda e tenho a certeza que muitos mais ...que por aqui passam e que nem conheço mas com quem até podia estar estando bem, gostando, como o sinto ser Convosco...e não falo por solidariedade...falo de certezas convictamente..!!

    E falando de solidariedade eu na Comunidade em que me insiro vejo-a em muitos, e vejo-a cada vez mais presente...mas também temos um Mestre que alguns já conhecem e que nos motiva completamente por sê-lo exemplo perfeito de uma espontaneidade que é alegria e é perseverança. E é sinceridade autenticidade. Implicamo-nos e a vida ganha um outro sentido precisamente no sermos solidários, seja onde for...porque para mim ser solidário é ter atitude..!!Falo obviamente do nosso Amigo Padre Nuno..não sei se o José conhece ..?! Bem independentemente de termos ou não fé cristã... do que falo é de pessoas e de como estas, algumas..., pelo exemplo nos podem despertar para uma outra atitude mais presente e por sê-lo poder-se-á também tornar mais solidária...!
    Uf..!!Pronto...termino!!

    Beijinhos e bom descanso...!!

    E a propósito amanhã é dia de festa aqui em S. Julião da Barra, aniversário do nosso Bom Pastor...

    dulce

    ResponderEliminar
  12. José,

    passa lá no meu blog...


    Beijoquinhas

    ResponderEliminar
  13. Caro Jaime,

    Claro que o ubíquo foi para te espicaçar!

    Já que me emendaste dizendo-te quanto muito serás metódica e faseadamente disponível aduzirei, acelaradamente!

    Retribuo votos de bom fim de semana.

    José

    ResponderEliminar
  14. Dulce,

    Agradeço colocares-me em tão distinto grupo de Amigos.

    Para mim é lisonjeador e simultaneamente gratificante, pois por aqui arribei há bem pouco tempo e tal como tu, me sinto confortado, no seio dum grupo com atitude.

    Não conheço pessoalmente o padre Nuno, (suponho que é o padre que costuma responder ao Jaime) mas se o consideras Amigo, para mim é suficiente.

    Suponho conheceres as minhas opções como ateu e agnóstico, mas elas em nada interferem (nunca interferiram) no relacionamento com as pessoas, sobretudo Amigos.

    As opções de convicções e credos religiosos, políticas ou clubísticas sejam de quem for, não têm, para mim, valor essencial na escolha relacional.

    Para mim basta que se baseiem em princípios fundamentais Humanistas de respeito mutuo.

    Acho que o facto de aqui, por forma desinibida, expormos as nossas ideias tem vindo a ser disso um bom exemplo.

    Uf, uf que já é tarde.

    Hã! A festa aí em S.Julião da Barra correu bem?

    Beijos,

    José

    ResponderEliminar
  15. Linda,

    Claro que passei!

    ...e lá deixei o meu reconhecido tributo a tão generosa publicação!

    Acho que não mereço tanto!

    Beijão

    josé

    ResponderEliminar
  16. Bom dia. Adorei o Blog e sua forma de se expressar. Da uma passada no meu blog e comenta la http://vitinhobinho.blogspot.com/

    ResponderEliminar
  17. Caro Vitinho,

    Agradeço a tua vinda a este meu espaço. Sejas bem-vindo!

    Já passei pelo teu blogue e comentei.

    saudações cordiais,

    josé

    ResponderEliminar
  18. Olá...!

    "As opções de convicções e credos religiosos, políticas ou clubísticas sejam de quem for, não têm, para mim, valor essencial na escolha relacional."

    Só vim mesmo para te dizer que para mim também não, absolutamente de acordo pelos mesmíssimos motivos que apontas José.

    Estou agora completamente "out" por uns dias...não sei se para ti é assim... para mim é cada vez é mais difícil despedir-me de pessoas de quem gosto muito...foi o que me aconteceu ainda hoje..era meu primo um jovem de 47 anos muito bom, mesmo boa pessoa, amigo...! Fica comigo com todas as boas recordações ...mas que estou "bué" triste estou...

    Um grande beijinho para ti.
    dulce

    ResponderEliminar
  19. Dulce,
    Querida e terna Amiga,

    Entendo e sobretudo admiro o teu sentimento por alguém que te era querido.

    Também por isso, te admiro e se me inculca o grato prazer de te ter como Amiga.

    Por certo as boas recordações que guardas do teu primo, servirão, no futuro como lenitivo ao desgosto de o ter perdido.

    Que a tristeza se desvaneça, na ternura dessas lembranças.

    Montes de beijos cheios de sereno afecto, que possam servir, de algum modo, de bálsamo à tristeza que ora sentes,

    Mantém-te "out" o tempo que achares conveniente.

    Eu estarei contigo, em pensamento.

    josé

    ResponderEliminar